Arquivo do mês: outubro 2011

A força do verdadeiro

Desse lado é a voz de quem vive que fala mais alto. Diante de seus ternos e cartões de visita há uma plebéia que não agüenta sentir seu cheiro de perfume caro misturado com sebo de alma. Só conseguia sentir nojo daqueles lobistas bilionários proferindo aos sete ventos que eram a “elite pensante do Brasil”. Tá pra nascer elite mais ignorante! O povo, mesmo sem acesso a digna educação, está muito mais ciente do caos coletivo do que aqueles que ainda herdam um sobrenome ou uma grande empresa.

É quase uma prostituição ter que trabalhar num ambiente em que as pessoas te olham de cara feia, apenas porque você está transitando entre as mesas deles. Minha sorte foi que, passado esse pesadelo de perder algum tempo de vida junto a grandes empresários (que no fim se misturam a mim, já que estávamos todos lá por dinheiro), eis que sinto vida de verdade.

Ágata, 28 anos e muita história. Sentada na “cadeira da verdade” contou que seu irmão a levou pra zona, falando que lá ela ganharia dinheiro de fato. Ele já estava na vida há algum tempo e ela de cara curtiu. Ágata possui uma imponência ao falar que ninguém duvidou do seu amor à profissão. O agito, a noite, as possibilidades, inclusive, de uma vida mais rentável se tornaram sua paixão. A boate estava vazia, não havia trabalho para aquela noite, portanto, ela pôde contar sua trajetória sem nenhum incomodo. Já foi casada, já teve homens aos seus pés. Mas não conseguiu largar da vida pra vida normal. Amélia? Dona de casa? Sem movimento no universo? Jamais. Um belo dia chegou em casa de manhã, o marido esperando. Onde você estava? Na zona, não agüento mais. E foi o seu grito de adeus, sua alforria para uma vida que muitos consideram prisão. Pra ela é liberdade. Sim, liberdade! Pros que vivem a margem não há julgamentos. Há apenas existência, diversão e sobrevivência. Foi por essas três coisas que Ágata resolveu voltar pra zona e é feliz até hoje.

Já a Jessica, com uns 30, tem quatro filhos, é puta e os cria com muito amor. Agradece a deus por não lembrar do rosto do sujeito que é pai da sua filha mais nova. Tava doidona e não lembra, a filha é só sua, assim como seu corpo. Ela conta que os filhos salvaram sua vida, são a sua motivação. Trabalha ali profissionalmente, já que o que gosta mesmo é de mulheres. Fala da sua namorada com ternura, em meio à uma retrospectiva de clientes.

A doce e meiga Rúbia parecia uma garota de 17 anos, com RG de 35. Muito sensível e de bom coração, desistiu de descer da áreazinha aberta onde estávamos para ver se havia clientes e ficou conosco a noite inteira. Contou de suas filhas, que de um acidente do acaso, viraram suas grandes paixões. A idade varia pouca coisa, mas o amor é imenso. Uma doçura sagaz, intensa e verdadeira a da Rúbia.

Foi um fim de noite muitíssimo agradável ao lado de todas essas mulheres de verdade. Conhecemos as outras garotas e todas se sentiram muito a vontade pra dividir suas histórias, tristezas e alegrias conosco, mesmo que por poucas horas. A empatia foi tanta que uma de nossas amigas estava fazendo aniversário e, no meio de um papo astrológico, assim que elas souberam puxaram um parabéns que tenho certeza que nenhum de nós vai esquecer.

Posso dizer que nesse dia fui salva. Salva pela simplicidade, força e beleza dessas mulheres. Ao contrário dos pingüins de terno que tive de agüentar horas antes, pude cruzar com olhos que gritam “intensidade” o tempo inteiro. Abençoadas sejam as putas.

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Arquivado em Rafaela Uchoa