Uma nova maneira de pensar

By Rob Gonsalves

Tantas coisas correm pelo meu espírito que mal posso conceber um início. Mas é disso mesmo que se trata; uma nova maneira de pensar.

Vive-se tão preso na interioridade e na necessidade extrema de admitir um sujeito, que Deleuze foi obrigado a nos dizer está tudo errado, o real é o pensamento do fora. É daí que começa a angustia, como podemos pensar em alguma coisa que não inclua um sujeito? Pois ele insiste; não existe um sujeito, existem peças, o homem é mais uma delas. É então que surge uma tríplice aliança: o homem, o cavalo e o estribo. O homem-homem, o cavalo-animal e o estribo-objeto, três categorias diferentes, portanto, heterogêneas. Ao juntar-se, funcionarão para a formação do cavaleiro estribado. A isso dá o nome de agenciamento. Nesse agenciamento específico, cada elemento funciona como uma peça, portanto, não existe sujeito, mas sim, peças. Peças heterogêneas que se juntam não espontaneamente e co-funcionam formando um agenciamento. Então surge a questão: se não há sujeito, o que causa o agenciamento? Essa é a grande dificuldade da maioria das pessoas de compreenderem Deleuze. É muito difícil admitir que o homem não é o centro. O centro é o desejo. Portanto, toda aquela história de interioridade e interpretação não passam de mera ficção. O sujeito é uma ficção. O desejo é real. Alguém vai perguntar: mas de onde parte o desejo? O desejo não parte de lugar algum, ele não depende de sujeito ou objeto. Tudo é desejo. Só ele é real e, ao mesmo tempo, abstrato. Não tem figura, ele pode devir qualquer coisa. Mas nós não estamos acostumados a lidar diretamente com os desejos. Pra isso criaram uma máquina psicanalítica que troca o desejo (ou real) pelas interpretações. É a interpretose, ou doença do desejo.

E, por que, a interpretose é tão nociva ao espírito? Oras, a ficção que nos contaminou é a de que tudo está no sujeito. Mas como partir de representações do seu interior se esse sujeito não existe? Não seria mais inteligente, enxergar os agenciamentos e procurar se livrar dos que não prestam? É partindo desse ponto, jogando as interpretações no lixo e perguntando-se para que aquilo serve que se promove uma mudança real. Para que continuar num trabalho que você se diz infeliz? Para que continuar uma relação amorosa que não lhe trás alegrias? Para que morar numa casa que você detesta? Isso não tem nada a ver com necessidade, o que existem são desejos. Você DESEJA mudar? Você DESEJA se livrar dos agenciamentos que diminuem sua potência? Você DESEJA viver com intensidade? Pois vamos produzir novos desejos! Façamos de nossa máquina corpórea uma fábrica de desejos, desejos de mudança, desejos de rompimentos, desejos reais. Essa é a verdadeira revolução. E o que existe são apenas revolucionários ou reacionários. Os revolucionários criam, inovam, experimentam. O medo não quer dizer nada para eles. Eles não tentam melhorar a máquina do capitalismo, eles querem destruí-la. A revolução é ser forte, é se jogar rumo ao novo; é romper com tudo que ameaça-nos como potências. Os reacionários não conseguem buscar a liberdade. Ficam presos numa interioridade ilusória, mascaram suas vidas com os moldes da máquina do capital. São viciados no medo, na culpa, na resignação.  Deixam seus desejos adoecerem. Chamam de inconsciente e desejo toda essa gama de repressão que carregam na suas construções de sujeito. O inconsciente para o pensamento moderno nada tem a ver com isso, ele não precisa ser interpretado, e sim, produzido, naturalmente. A natureza é uma grande produção.

Eu diria que a maior parte de nós está doente. Doente de um mundo imaginário que insistem em nos dizer que é real. Doente de prostração, adaptação e conformismo. Doente de medo. A mim, cabe a tarefa de tentar promover o mínimo de compreensão a mim mesma e aos que me lêem. Enxergar essa doença não deve nos entristecer ou nos fazer padecer ao terror. A compreensão dessa realidade será uma injeção de partículas de vida co-funcionando nos nossos espíritos. Experimente.

11 Comentários

Arquivado em Rafaela Uchoa

11 Respostas para “Uma nova maneira de pensar

  1. Paula Marini

    Como amei este artigo. Quanta consciencia . Quanta percepcao do mundo. Vou divulgar.
    Beijos

  2. deformo o corpo. partes mínimas da máquina invisível. na superficie da luz. aconteço
    feito um assovio
    transito.
    sendo puro desejo :***

  3. AnaClaraRebouças

    Então… há duas questões que mais me instigam neste modo de pensar: I) concordo que a “interpretrose” é de fato um crasso equívoco epistemológico e, por conseguinte, um mal costume enquanto práxis; II) questiono se a obra de Deleuze discute o desejo enquanto um construto social, cultural e mesmo histórico (isto é, fruto das conjunturas, ou datado….) Afinal, por que se deseja isso e não aquilo: Claro que considerando os desejos “coletivos”, ou redundantes, de modo mais generalizado… claro q reconheço as particularidades… mas…. Enfim… fico curiosa em saber… Bjocas, amore!

    • rafaelauchoa

      Para entender a interpretose, ou doença do desejo, é preciso pensar quanto a acontecimentos. A obra dele é totalmente voltada par ao social já que Deleuze diz que a menor unidade do real são os agenciamentos que só existem graças ao desejo. Ele fala que primariamente só existem duas coisas: o desejo e a máquina social. É, também, por isso que Deleuze sugere que a gente destrua o sujeito, 1o porque esse sujeito é baseado na idéia de que o sentido vive nas crenças da significação, como Deus, etc. Essas significações sao produtos tb da máquina social, assim como da máquina psicanalítica que é uma parte dela. Enfim, vamos para uma mesa de bar!!

  4. AnaClaraRebouças

    Ah… esqueci de dizer que, o mais alarmante na “interpretose” (êta, crítica genial), é que as pessoas delegam a um terceiro a árdua e inviável tarefa de “interpretar” o sei lá o quê, algo amorfo, muitas vezes… é um pé no saco mesmo… no divã só deitaria bêbada…

    • rafaelauchoa

      Exatamente, a interpretação nao tem limite de verdadeiro ou falso, ela se faz de absoluta, ao mesmo em que restringe uma coisa, ou um acontecimento ou um agenciamento (e é por nao saber mapear seus próprios agenciamentos que as pessoas se rendem a ilusão do divã) à uma mera suposição, sob culpa, medo e resignação.
      Uma fala de Deleuze sobre o delírio esclarece bem essa questão social… Para ele, existem basicamente dois tipos de delírio: o delírio racista, que é qdo certa raça se julga superior, ou o delírio racial que é qdo essa raça de julga inferior. Partindo daí, ele deu mais um tapa na cara do Freud, quando falou sobre o delírio do psicótico. Eles sempre são ligados à questões culturais, raciais, sociais, enfim. Jamais por papai e mamãe ou toda essa babozeira. Bem, daí insisto na continuidade no bar!

  5. AnaClaraRebouças

    É… agora só uma mesa de bar…

  6. carla

    Não possuo uma leitura aprofundada de Deleuze. No entanto, não gosto de uma maneira geral, da negação total de descobertas anteriores. Acho que todas acabam por se complementarem.
    Se tenho subjetividade – uma maneira única de olhar os outros e a mim e o mundo – issso não é constituido apenas pelos agenciamentos sociais. O que vc. chama de imáginário não entendo como “aquilo que nos ensistem em dizer que é real”, muito pelo contrário.
    Passei pelo divã e outra coisitas mais. E afinal, o que aponta o meu desejo… são variáveis condicionadas pelos sofrimenos e alegrias passadas , na família e na sociedade, que resultou e continua resultando em diferentes direções de desejos imprevisíveis. E, isso é muito bom. bjs.

    • rafaelauchoa

      Pois é, Carla. Mas o que, não só Deleuze, mas também os estóicos expuseram foram justamente esses limiares da realidade. Profundidade, alturas e finalmente a superfície. O pensamento moderno nos convida a viver a superfície, nos faz entender o quanto estamos alheios aos acontecimentos. Nos chama para descobrir o fora, homem deixa de ser o centro. Mas, é claro, que isso é uma escolha, não é uma “negação” de descobertas, é um convite à novas, à experimentações, à devires constantes e quanto mais presos a interioridade, ao passado e ao futuro (profundidade e altura), menos se vive isso.
      Muito obrigada pelo seu relato também! As trocas são sempre válidas! bjs

  7. Melissa

    Rafaela,

    e como se produz novos desejos?

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